Hoje ele ligou pra dizer que me amava. E ao invés daquele "eu também" que soa como um "pode colocar as minhas moedas na caixinha para as crianças com câncer", que a gente diz pra moça da farmácia, só pra não deixar sem resposta, aquilo que ecoa, ali, eu disse em alto e bom tom "Eu também te amo um monte". Sem pensar nas brigas, nas escolhas erradas, na doença da minha mãe, que todo mundo jura que é culpa dele, eu jurava que era culpa dela, mas agora acho que não é culpa de ninguém.
Eu disse eu te amo um monte pra alguém que eu jurei aos prantos que nunca mais olharia na cara. Pra alguém que me fez perder tantas noites de sono, por que a minha mãe não conseguia dormir de saudade. Pra alguém que eu já até pensei em roubar um fio de cabelo escondido, guardar dinheiro pra um exame de DNA e poder provar (só pra ele) que eu não tinha aquele gene.
E então ele me disse pra ser mais feliz que ele.
E eu mudei de assunto. Falei da viagem de Buenos Aires. Não quero meu pai triste.
É, eu não quero você triste, mesmo que eu tenha jurado por anos que seria muito justo você passar pela dor de mamãe.
Hoje eu só quero que meus filhos me amem do jeito que eu aprendi a amar vocês.
Minha mãe com todas as internações, e dramas, e tentativas de suicídio e porres e choros.
Meu pai com toda a ausência, a falta de presença, a insensibilidade.
Hoje eu amo.
Sem reticência.
Sem ponto de interrogação.