Tocava qualquer coisa bem baixinho, do Caetano, no som que tinha na sala. Ele fez questão de deixar tudo na penumbra. Era preciso clima de despedida, de merda, de fossa, tudo junto. Ele queria mesmo torturá-la. Era preciso, mais, era vital. Ele e ela sabiam.
Ela tinha aceitado a guerra medieval. Queria terminar com aquela porra toda com o mínimo de dignidade, se é que isso era possível.
No elevador foi pensando se deviar ficar muda enquanto ele a acusava de ser leviana, irresponsável, imatura e aquele monte de adejetivos que ele gosta de usar, que o faz parecer um homem de 40 anos. Pensou também em falar a merda toda, dizer que não queria mais, que tava sufocada, que não dava, que ele era somente mais uma das metades, entre tantas. Por fim, pouco antes de tocar a campainha do hall, pensou em dizer que estava confusa. Alguma amiga tinha dito dia desses algo do gênero , pra alguém, em situação parecida, e tinha funcionado, se ela bem se lembrava, mas não havia tanta certeza assim sobre isso.
Foi desse jeito que entrou no apartamento. Indecisa, confusa, vestido preto curto, cabelo dessarumado e sem calcinha, como ele gostava. Afinal , uma transa, aquela altura, podia ser o gran finale ou então um tiro de misericóridia. Ela não queria arriscar.
Essa era a única certeza. Não queria mais arriscar porra nenhuma. Que se danasse ele, os sentimentos dele e todo o resto. Ela só tinha ido mesmo pra tal conversa, por que seu passado remota de boa menina a torturava e a moça do caixa do supermercado havia dito categoricamente que ele merecia ser ouvido.
Jamais contrarie as previsões , conselhoe e mandingas de moças do caixa do supermercado. É sério.
Tinha qualquer coisa no forno. Duas garrafas de vinho vazias, no canto do sofá. Ele fez questão de deixar ali, justificariam uma provável atitude idiota da parte dele.
Frisou que esqueceu de comprar o del vale de uva, mas que tinha água, já que ela não bebia. O tom de crítica era evidente. Será que ele acreditava que, caso ela tomasse alguns porres no final de semana, a relação poderia ter sido salva?
Não se sabe.
Ela ficou calada. Ele ficou mudo.
Transaram.
E transaram e transaram.
Sem palavras.
Só o vestido dela jogado no canto da sala, por cima das garrafas de vinho.
A cena era ridícula. Ela nua, de scarpin, olhando pela janela. Aquele silêncio era pior que toda a dúvida do elevador. Aquele silêncio era certeza. E ela não queria certeza, nem risco.
Ele acendeu um baseado, não se antes perguntar " Tu pode fazer o discurso de financiador de traficante depois?"
Mas ela não queria falar nada, só sair dali correndo e nunca mais voltar pro país, ou pelo menos não ter de olhar pra cara do porteiro, quando ele a visse saindo do carro dele.
Pois é, até o porteiro sabia que eles deviam se largar.
Maldita moça do mercado.
Ela sentiu sede.
Tinha del vale de uva na geladeira.
Del vale, riscos e certezas.